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A EXP entrevistou Eduardo Salvalaggio, o especialista criador dos primeiros cases comerciais com IA Generativa no Brasil.

 

A história da humanidade é marcada por revoluções tecnológicas. Do fogo, à prensa gráfica. Da energia elétrica, à Inteligência Artificial. As tecnologias são sinais de grandes disrupções na sociedade, provocando uma mudança na forma de pensar, de agir, e de se relacionar.

Agora, a bola da vez, parece ser a Inteligência Artificial Generativa, uma tecnologia que vem provocando fascínio em seus usuários. E não é para menos, a partir de alguns comandos simples é possível ir do zero a um texto complexo de 2 mil palavras em apenas alguns segundos. E esse é só o começo.

Eduardo Salvalaggio, CEO da Dishubtive e Diretor de Tecnologia Criativa na Vitrio/B&Partners, afirma que nós temos em mãos uma tecnologia muito mais poderosa que a prensa gráfica. Entretanto, nós ainda não temos acesso a todo o seu potencial e a todos os seus desdobramentos.

Em entrevista para a EXP, o especialista, que criou os primeiros cases comerciais com IA Generativa no Brasil, afirma que estamos no momento de nos prepararmos para uma grande disrupção. Ele também aponta que, embora as instituições de ensino estejam enfrentando desafios significativos, elas precisam cumprir o seu papel de preparar os jovens para esse mundo em constante transformação. Confira a seguir, os principais trechos dessa conversa:

 

 

EXP – A humanidade já foi impactada por grandes tecnologias que transformaram completamente a nossa forma de agir e de pensar. Nesse momento, você acredita que estamos vivendo uma grande disrupção tecnológica provocada pela IA Generativa?

 

Eduardo Salvalaggio –  O que chamamos de disrupção já aconteceu em vários momentos da história: uma mudança total do relacionamento entre as pessoas. Mas a grande disrupção em relação à IA generativa, na verdade, ainda não aconteceu.

A tecnologia, normalmente, vem antes da disrupção. Tomemos por exemplo a prensa gráfica, criada por volta de 1450. O que ocorreu depois foi algo ainda mais poderoso do que a própria tecnologia: uma amplificação do acesso ao conhecimento que possibilitou grandes transformações na sociedade.

Pensando na Inteligência Artificial Generativa, temos em mãos uma tecnologia muito mais poderosa que a prensa gráfica. Entretanto, nós ainda não temos acesso a todo o seu potencial e desdobramentos. Agora, nós temos acesso à tecnologia por ela mesma, que está nos apresentando possibilidades fantásticas: em um determinado momento você não tem nada e em segundos, minutos depois, é possível ter uma imagem complexa, muitas vezes, superior graficamente ou em técnica ao produto de uma vida inteira de um artista.

Claro, isso causa espanto e fascínio nas pessoas. Elas estão maravilhadas. Entretanto, até o momento, a aplicabilidade para essa tecnologia está começando a surgir, os cases de uso estão começando a aparecer, mas está ainda muito longe da massificação em todo o seu potencial.

Agora é o momento de nos prepararmos para a grande disrupção que a IA Generativa irá provocar. O surgimento de uma nova tecnologia é como um clarão de um trovão. Logo após, vem uma tempestade e precisamos nos preparar para ela.

 

 

EXPComo preparar as futuras gerações para essa grande disrupção? E por que é importante ter algum preparo ou algum ensino, relacionado ao uso das IAs Generativas? 

 

Eduardo Salvalaggio – No final das contas, é sempre sobre pessoas. A tecnologia acompanha a humanidade desde o seu início e se desenvolve a partir de suas técnicas e necessidades. São ferramentas de expressão, de reprodução do conhecimento, e de novas possibilidades. Sempre foi o ser humano, nunca foi a tecnologia por si só. Agora, falando sobre as ferramentas de IA Generativas, parecemos às vezes nos esquecer disso.

Em um primeiro contato com alguma ferramenta de IA Generativa, como o Chat GPT, por exemplo, o usuário acaba entregando o trabalho para a ferramenta. Ele escreve: “Eu quero uma história sobre duas pessoas que tenha um final feliz”. E de fato, a ferramenta é capaz de desenvolver uma história completa, repleta de detalhes, com início, meio e fim, mas, provavelmente, essa história será genérica. Para quem antes possuía uma folha em branco, vamos combinar, que qualquer coisa já é um tremendo chute no gol. É incrível, gera um fascínio. Mas, raramente, com um simples input como o apresentado, a ferramenta irá gerar uma resposta interessante, complexa e diversa.

Tive uma experiência com o meu filho de oito anos que eu gosto de compartilhar: Um dia ele chegou pra mim e falou assim: “Por que a gente não faz uma história em quadrinhos com a IA?” Eu falei: “Show de bola, vamos lá!”. Meu primeiro movimento foi sair do computador, pegar uma folha de papel, e ir para a mesa com ele. Eu falei para ele: “Tá, o que que a gente já tem?”. Ele achou estranho e vi nele um branco total. Ele ficou parado, olhando pra minha cara. E eu disse: “Cara, vamos começar do começo? Você quer escrever uma história sobre o quê? O que que você gosta?”. Ele me respondeu: “Pode ser sobre Taekwondo!? E com animais!?” Ele faz taekwondo desde os três anos. Eu disse: “Beleza! Então vamos fazer uma pesquisa sobre esse tema. Vamos relacionar esses personagens com a Coreia, que é o berço do taekwondo, e vamos procurar quais os animais que são tradicionais desse país”. Pesquisamos sobre a cultura coreana, sobre os guerreiros e lendas, e procuramos algumas informações sobre a fauna local.

Depois, com esses conhecimentos adquiridos, começamos a pensar nos personagens, a pensar um pouco na história, no ambiente, na trama, etc. Depois disso, foi muito fácil inserir inputs na IA Generativa e desenvolver, a partir dela, toda a base para a história em quadrinhos que ele queria. Ao final de duas horas, a gente já tinha definido um nome para a HQ, já tínhamos os personagens, os heróis e os vilões, toda a ambientação, a cidade… A gente tinha tudo. A IA Generativa fez bem o trabalho dela a partir de um contexto que colocamos na ferramenta.

E o que isso tem a ver com educação? Quando as pessoas compreendem que uma entrada de qualidade pode fazer coisas muito mais fortes do que simplesmente um input vazio e esperar que alguma coisa aconteça, elas voltam a valorizar as coisas do saber, o conhecimento e a compreensão do contexto. 

O que está sendo pregado é que as pessoas não precisam mais adquirir conhecimento, que a Inteligência Artificial vai ter esse conhecimento por elas. É exatamente o contrário. Hoje, a educação sobre os usos da IA, precisa acontecer com esses jovens para eles entenderem que nesse momento eles precisam ainda mais de conhecimento, precisam estudar mais. Na verdade, ao inserir inputs vazios, o usuário está cedendo o controle para a máquina. Os usuários só vão ter o controle de volta se eles tiverem conhecimento e exercerem o poder de curadoria.

Eu trabalho bastante com publicidade e um dos trabalhos que eu faço são bancos de imagem para as empresas. Normalmente eu demoro uma ou duas horas para tirar a primeira imagem, só que eu demoro de quatro a seis horas para tirar mais 600 imagens. Por quê? Porque durante essa primeira hora, segunda hora, eu criei o contexto, eu criei toda uma esteira de pensamento. Eu fiz pesquisa, detalhei exatamente o que eu precisava, o que eu queria, refinei, dei feedbacks negativos, positivos, para na hora em que o negócio estiver bem redondinho, é só replicar. E daí você tem uma saída realmente que faça sentido.

A IA Generativa não isenta as pessoas de terem conhecimento sobre o assunto. E é isso que precisamos mostrar para o jovem, porque, se não, a gente vai criar um jovem oco totalmente controlado pela máquina. E a qualidade da máquina vai ditar a qualidade daquele jovem.

 

EXP – Quais são as possibilidades e oportunidades de se trabalhar com a IA em sala de aula?

 

Eduardo Salvalaggio – A integração da IA nas salas de aula parece, neste momento, providencial, justamente pelas janelas de oportunidades que ela oferece. As escolas, como provedoras de ensino e bases de apoio para a compreensão do mundo, são responsáveis pela formação de opinião das futuras gerações. Embora estejam enfrentando desafios significativos, elas precisam cumprir seu papel. Isso significa guiar os jovens através dessa revolução tecnológica, capacitando-os emocionalmente e tecnicamente a navegar e a se relacionar com esse novo cenário tecnológico. Agora, mais do que nunca, precisamos da formação de crianças e jovens resilientes, com senso crítico, curiosas e interessadas em obter conhecimento e repertório a partir do mundo que os cerca.

A IA Generativa possibilita que as pessoas produzam como 10, 20, 100 pessoas. Mas para que isso aconteça, é preciso estar preparado e saber se relacionar e co-criar com essa máquina. As novas gerações estão preparadas para se relacionarem com essa nova tecnologia? Como iremos preparar essas novas gerações para utilizarem essa tecnologia em todo o seu potencial? Acho que hoje talvez esse seja o grande papel da escola.

O grande desafio hoje da escola é ensinar ao jovem esse novo tipo de relacionamento. Precisamos preparar os jovens para serem capazes de controlar essas novas tecnologias e, ao mesmo tempo, alcançar todo o potencial que elas tem a oferecer. É preciso trazer essa nova realidade para a sala de aula e acompanhar a transformação que estamos vivendo.

Eu vejo o jovem hoje muito mais multidimensional em termos de comunicação. Ele se comunica em várias dimensões, linguagens, mídias. E a IA Generativa é uma ferramenta perfeita: estamos falando da possibilidade de ensinar cada jovem de uma forma diferente. Podemos apresentar uma matéria para um jovem em forma de texto, para outro, em áudio no formato podcast, em vídeo, música, por meio de dança, etc. Isso tudo em forma dinâmica, em tempo real. 

Estamos falando de possibilidades novas, de um mundo novo. E eu vejo a escola como uma instituição que tem a responsabilidade e o potencial de caminhar por esse mundo e preparar os jovens para a nova realidade em que eles estão vivendo.

 

EXP – E o futuro?

 

Eduardo Salvalaggio – Estamos no começo dessa jornada tecnológica e outras grandes tecnologias vão surgir nos próximos anos. Estamos no momento de convergência tecnológica. Quando a gente chega nesse momento dentro da história, não é uma tecnologia só que vai tomar conta de tudo, mas sim várias. Existem várias outras tecnologias surgindo e que podem ter um impacto tão grande quanto a IA generativa.

Nós iremos deixar de ser uma sociedade que produz para ser uma sociedade que cura conhecimento. Não iremos mais precisar produzir uma matéria, a gente vai curar uma matéria. E a capacidade de curadoria exige muito mais análise crítica, muito mais conhecimento, muito mais repertório do que a capacidade de produção.

Eu acho que a grande questão hoje é que a gente não está mais sozinho. Estava todo mundo esperando o ET, um Marciano. Mas a grande verdade é que talvez a gente não esteja sozinho porque existe uma máquina com a possibilidade de co-criar com a gente.

A verdade não é tão romântica, mas nós não estamos mais sozinhos.

E o que a gente vai fazer com isso?

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